No início de 2016 tive a ideia maluca de criar um aplicativo marketplace de restaurantes na minha cidade de cem mil habitantes do interior de Minas Gerais. Até aí tudo bem, o problema é que encontrei um sócio desenvolvedor que concordou em criar um MVP para validar a ideia. A startup chamada Apptitoso teve dois anos de história e foi, no final, incorporada por um player mais forte. Nesse tempo, vivi e estudei intensamente a trajetória de um marketplace. Nesse texto, compartilho quatro aprendizados que, geralmente, não são falados ao criar um negócio nesse ramo.
Os marketplaces, também conhecidos como “shopping virtual”, são vitrines que possibilitam à diversas “lojas” oferecerem seus produtos ou serviços em uma única plataforma. Um exemplo clássico é o Ifood, um aplicativo que disponibiliza ao usuário uma lista de restaurantes perto da sua localidade. Também são exemplos de marketplaces: Mercado Livre, Amazon, Elo7 e Airbnb. Inclusive, existem marketplaces que são passados despercebidos pelos usuários, ou seja, você compra um produto que não “pertence” a ela mas é encontrado no seu site. São exemplos: BW2 (mantenedora das lojas virtuais do Submarino, Americanas, Shoptime, entre outras), Magazine Luiza e Walmart.
Os marketplaces chamam atenção por possibilitarem um crescimento escalável, já que o negócio não demanda, na maioria das vezes, a preocupação com a produção e distribuição do produto ou serviço, focando suas ações apenas na captação de clientes e fornecedores. Esse tipo de plataforma faz a intermediação entre usuários finais e os detentores dos produtos. Logo, o discurso chama atenção, é quase que “aquela ideia perfeita”, “como não pensei nisso antes?”. De fato, um marketplace tem muitas vantagens, mas está longe de ser um caminho fácil pois existem diversas particularidades e barreiras, que irei compartilhar com você agora.
Crescer ao infinito e além é fundamental
Não existe regra para modelos de receita de marketplace, mas o que vemos na maioria das vezes é o modelo de comissão, ou seja, o negócio ganha uma fatia do valor vendido que varia, geralmente de 5% a 15%. De fato, as margens são baixas, logo, para que seja lucrativo é necessário um alto volume de transações. Além disso, os custos de atração de tráfego, manutenção do backoffice, fraudes e processos são significativos.
O Ifood cresceu muito nos últimos 5 anos e abocanha mais de 6,6 milhões de pedidos mensais. Como você acha que isso aconteceu? A marca investiu forte na aquisição de clientes. Quem nunca viu aquela propagando do Fábio Porchat na TV? Ou aquele anúncio no facebook ou instagram? O Ifood tem investido massivamente para crescer, inclusive comprando concorrentes, como o Pedidos Já, e incorporando soluções de startups como a Spoonrocket e a Rapiddo. Exemplos como Amazon, Alibaba ou Booking.com e Airbnb mostram como esse briga não é pra qualquer um.
Quando iniciamos o Apptioso, tínhamos noção que não tinhamos culhões para competir com uma empresa como a Ifood por exemplo, mas sabíamos que poderíamos ficar interessantes aos olhos desse grande player ou de um concorrente maior. Para isso precisávamos de números, mais especificamente restaurantes, usuários e número de pedidos no interior do país, onde a presença da marca ainda era pequena. Passamos dois anos investindo muito pouco, reinvestindo o que a empresa gerava e o nosso resultado foi a presença em duas cidades do sul de Minas Gerais, aproximadamente 30 restaurantes e uma média de 400 pedidos por semana. Em dois anos, o crescimento do Ifood impressionou muito, chegando em cidades vizinhas em uma velocidade incrível. Chegaram também outros concorrentes, bem menores que o ifood mas, ainda assim, maiores que nós. Quando pesquisávamos sobre esses concorrentes, percebíamos quea maiorioa deles passou por rodadas de investimento ou tinham uma política agressiva de aquisição de concorrentes.
Não se engane com o custo de backoffice
Como falado anteriormente, os custos de um modelo de marketplace podem enganar e um destes é o custo de backoffice. Nesse modelo existem dois “clientes”: o usuário final e o que chamamos de seller (provedor do produto ou serviço). Atender essas duas pontas não é um desafio apenas operacional, mas também financeiro. Lembra daqueles 6 milhões de pedidos do ifood? Você acredita que 100% deles são recebidos pelos restaurantes? Que todos os restaurantes irão estar com a internet funcionando? Se apenas 1% dos pedidos falharem, ainda são mais de 2000 pedidos por dia que precisam ser repassados com alguma intervenção humana em backoffice. Esse tipo de operação é comum para qualquer modelo de marketplace, além de setores como o comercial e suporte aos clientes (duas pontas).
No início da operação do Apptitoso, nós criamos um sistema de notificações no celular que nos informava da chegada de novos pedidos e da visualização dos mesmos pelos restaurantes. Nós éramos em quatro e criamos uma escala de trabalho para ficar monitorando o sistema. Foram muitas noites de sextas e sábados destinados à monitorar o sistema e ligar em restaurantes para repassar pedidos. Esse é o lado não escalável, inerente a qualquer startup no início da operação, que ninguém irá te contar.
Você tem dois clientes
Para abrir um marketplace você precisa entender muito os dois lados do seu negócio (usuários e sellers). Começar nesse mercado é parecido com a questão do ovo e da galinha. Quem vem primeiro, o seller ou o usuário? De fato, você precisa do usuário para se tornar atrativo para uma loja e você precisa das lojas pra se tornar atrativo para o usuário. Na nossa experiência com o Apptitoso, o que fizemos foi buscar early adopters nas duas pontas, sendo que esse processo foi executado durante o período de construção de nosso MVP. Quando lançamos nossa versão beta apenas para Android tínhamos quatro restaurantes populares entre nossos usuários e um pré cadastro de aproximadamente 50 nomes.
O custo de aquisição de sellers geralmente é mais alto que o de usuários, pois você precisa realizar visitas presenciais, o funil de vendas é mais longo e a medida que você expande territorialmente os custos de deslocamento aumentam consideravelmente. A ideia é evitar as negociações presenciais ou contar com parceiros locais, que no nosso caso, foi inevitável. Já os usuários podem ser alcançados por redes sociais, mas aí o desafio é acertar em ads, campanhas, linguagem e promoções, além de uma ampla gama de produtos e preços. Lembre-se que o marketplace só faz sentido se realmente for um “shopping virtual”.
Como garantir qualidade e entrega do produto?
Intermediar a venda entre os usuários e sellers parece ser o mundo ideal. Não se preocupar com o custo e produção, entrega, controle de qualidade, suporte, etc. Realmente isso é tentador, contudo existe um grande problema atrelado nesse processo. Imagine que você reserve um quarto pelo Airbnb e acabe tendo uma experiência ruim. Você terá maturidade suficiente pra saber que isso foi um erro do seu host? Provavelmente não. Você pode até deixar passar, porém vai pensar duas vezes antes de usar novamente a plataforma. Esse é um grande problema do modelo de marketplace, pois você não tem total controle sobre a qualidade do serviço ou do produto. É complexo fazer uma curadoria do que você está vendendo, então prepare-se para trabalhar com feedback e ouvir críticas e também ainda ter planos de ação para garantir a qualidade do seus sellers.
Outro fator importante é o processo de entrega, caso haja. No caso do Apptitoso, lidávamos com motoboys de terceiros, que não se preocupavam com o produto entregue e muito menos com o funcionamento do aplicativo. Era comum lidarmos reclamações raivosas de clientes que tiveram experiências ruins com a qualidade ou a demora nas entregas, mesmo que não tivessemos o controle sobre este processo.
Não é atoa que a Ifood investiu em startups como a Spoonrocket e Rapiddo que têm soluções focadas no processo de entrega e que por exemplo o Uber, criou o Ubereats, visto que já tinha uma ampla rede de potenciais entregadores.
Grandes varejistas como Americanas, Magazine Luiza e Walmart, também contam com acordos de níveis de serviço elevados para tratar com transportadoras parceiras e disponibilizam opções de entregas rápidas, além da retirada de produtos em lojas físicas.
Conclusão
Após nossa trajetória no Apptitoso, a pergunta que fica agora é: Se tivéssemos investido mais, poderíamos ter feito um exit melhor ou teríamos perdido dinheiro? No nosso caso, estávamos na faculdade, não existiam riscos muito altos, então a trajetória foi extremamente valiosa. Todavia, se imaginarmos um empreendedor que tem tempo reduzido, a opção de crescer organicamente não é recomendada, pois você pode ser rapidamente engolido por um concorrente ou ficar lutando apenas pela sua sobrevivência. Na minha humilde opinião, nesse mercado é aquela expressão: ou vai ou racha.
Tenha noção que a maioria dos marketplaces hoje não nasceram como marketplace, eles tinham um produto bem definido, se preocuparam em entender de fato, quem eram seus clientes, suas necessidades e suas dores. O encanto que um marketplace traz, ao se mostrar muito escalável mascara grandes dificuldades como as citadas anteriormente.
Caso você queira aprofundar nesse assunto, vale a pena dar uma estudada nas plataformas de pagamento (Moip, Pagar.me, PagSeguro dentro outros) e se perguntar porque grandes empresas estão criando suas próprias plataformas de pagamento, como é o caso da Magalu Pagamentos. Outra temática interessante é pesquisar sobre Omnichannel e a tendências das grandes marcas de aproximar as experiências físicas e virtuais entregando a mesma experiências em todos canais disponíveis aos clientes.